02 novembro 2007

Memórias de papel

Não,não estive fisicamente numa guerra. Travo agora guerras pessoais que não vêm ao caso.
No entanto sou filha da guerra.
Do pai ausente, lá longe, na África. Da mãe medrosa, contando história de arrepiar. Do aeroporto cheio com os soldados e as mães e as madrinhas e as namoradas e as irmãs, numa confusão de corpos e cheiros e imagens cinzentas. Estive lá, também, um dia, na chegada do avião que trazia o meu pai e levava aqueles outros. Era pequenina mas a imagem ficou gravada na memória, talvez pela falta de espaço e o transbordar de emoções que trespassava o ar.
Estive lá em cada carta que papai mandava ou em cada natal que papai não estava.
Estive lá anos mais tarde, quando papai, já muito velhinho, falou chocado, a propósito de um senhor que dizia na televisão que Portugal nunca usou Napalm.
Estive lá quando me apercebi que papai guardava memórias que eu queria escrever, mas que papai não conseguia contar.

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