22 agosto 2007

Fuga

Vou viajar de novo e desta vez sem ti.
Talvez seja bom, pois agora não levo sonhos na bagagem.
Fecho as janelas, as persianas, a porta, tentando deixar tudo para trás. A casa fica na penumbra, no esquecimento.
Parto partida e triste mas parto. Parto com pouco entusiasmo mas parto. Parto contigo no pensamento mas com vontade de te tirar, de te apagar por segundos, minutos que sejam. Talvez as cores e os cheiros me façam esquecer por momentos que um dia exististe e foste o que de melhor construí dentro de mim. Talvez os aromas me façam esquecer que um dia tive prazer de cozinhar para ti, de te mimar, de te amar sem protecção.
Tenho que te apagar da memória.
Estou cansada de estar fechada nesta casa vazia, cheia de restos de ti e de mim, de nós, do que construímos e do que sonhei construir contigo.
Esta casa está impregnada de ti e é preciso mudá-la. Farei isso quando chegar.
Também comprarei uma bicicleta. É isso, uma bicicleta anima-me. Poderei ver o mundo de outra perspectiva.
Agora vou tentar desligar este maldito computador!
Estou cansada de ti e de mim.
Eu meto nojo.
Eu quero sair.
Eu quero ver gente.
Eu quero sentir-me viva outra vez.
17h57m

21 agosto 2007

Estória do homem de olhos castanhos (parte III)


No Natal F enviou-lhe uma barco cheia de especiarias. Chegou numa manhã sombria que de rompante se encheu de luz. A mulher impregnou-se dos sons do navio, dos búzios e das estrelas do mar, cheirou o incenso e provou, uma a uma, as iguarias.
O prazer foi tão grande que se quebraram todas as amarras, se soltaram todas as embarcações e as palavras sairam navegando rio acima. Chegaram-lhe depois do natal.

Depois foi tudo muito rápido e Janeiro passou a correr.
Encontraram-se num mar de gente.
Só a bruma, por entre as ruínas, e o mundo a deixar de existir.

22 de Agosto de 2007, 00h02m


Estória do homem de olhos castanhos (parte II)



A mulher pensou que assim estava bem. Afinal ter um sonho de menina não é coisa de todos os dias. E este parecia-lhe demasiado complicado de concretizar.

Programou uma grande viagem e partiu. Encontrou cheiros e cores e sabores diferentes, gente calorosa. Ouviu histórias de pasmar e deixou-se embalar pelas noites mornas. Experimentou um homem ocasional. Soube-lhe bem! Mas não conseguiu esquecer os olhos escuros, profundos e tristes de F, a sua boca rubra de cereja e o seu corpo curvado pelo calor.

Em Setembro F entrou-lhe de novo no escritório. Vinha mais solto, mais conversador. Desempenhava agora um trabalho que o deixava mais comunicativo. A mulher tentou uma aproximação discreta e percebeu que lhe era fácil estabelecer solidariedades. F estava diferente. Talvez mais feliz. Parecia sentir-se em liberdade e disposto a experimentar as novas cores do fim de Setembro. Gostava do que fazia, empenhava-se, e isso notava-se tanto que começou a doer estar a seu lado.

A mulher sentiu um desejo avassalador por aquele ser. Queria tudo de rompante, o corpo, a alma, o sono, os devaneios....de tal modo que adoeceu de desejo.
Começou a chegar tarde ou a faltar ao trabalho, arranjou desculpas para ficar horas estirada na cama a imaginar ou a sonhar como seria possuir F, entrar na sua vida e cumprir o sonho de menina.

(A esta hora caros leitores perguntar-se-ão porque diabo não o comeu em três tempos e resolveu o problema existencial da solidão).

É que aquela mulher, afinal, era mais tímida do que alguém poderia imaginar. Ela pressentia, também, que F não era fácil e que o que tanto a atraía poderia afinal ser algo de muito complicado. Assim preferiu esperar, refugiar-se no sonho e viver meses com a alegria infantil de poder vê-lo às quartas-feiras.

Esses dias eram preparados com minúcia!
Levantava-se bem disposta, vestia o seu melhor vestido, penteava-se com prazer, mirava-se no espelho e gostava do que via. Afinal não tinha razão para estar triste.
Era quarta-feira! O dia dos encontros não marcados.
E eram belos esses dias!
Ás vezes, com a pressa e o trabalho, só o via passar, o passo lento, qual gato rondando o ninho.
E eram belos esses dias!
Ás vezes trocavam palavras de ocasião para resolver assuntos inexistentes.
E eram belos esses dias!

E assim passou o Outono...

Um dia, no início do Inverno, a mulher tomou coragem e convidou-o para sair. Ele aceitou e disse-lhe. "Para si estarei sempre disponível".

Viajaram juntos pela primeira vez. F guiou a mulher por montes e vales e quando ela, esgotada de emoção, parava ou se sentava sobre uma pedra ele também parava. Sentava-se atrás dela, como se a guardasse, com a distancia dos antigos servos medievais ou do pastor que controla as suas crias. Ela sentia-lhe a respiração, o cheiro e os olhos cravados nas costas e pensava nele como um lobo solitário.

20 de Agosto, 21h

Estória do homem de olhos castanhos (parte I)



Aviso aos leitores: esta história é um work in progress, com direito a alterações consoante o humor do dia e o seu avanço. Começou hoje, sem data marcada para terminar.


A mulher conheceu F num dia de Outubro quando ele entrou porta dentro. Vinha calado, com ar sério, vestido para a ocasião. Balbuciou poucas palavras e fechou-se cabisbaixo na sua mesa de trabalho.

A mulher achou-lhe graça e espiou-o, disfarçadamente, sempre que podia.Verificou que era tímido, com um olhar profundo e um aspecto aparentemente alinhado que escondia a sua desordem interior.

Com o passar dos meses e sem saber porquê a sua presença calada e enigmática dava-lhe conforto e nos dias em que F aparecia no escritório a mulher sentia-se inspirada, como se penetrar nas entranhas daquele homem fosse um desafio.

Um dia F desapareceu, sem palavras, por muito tempo.

Num fim de tarde em que o encontrou por acaso, interpelou-o, um pouco sem sentido, inventando palavras ao acaso só para ouvir a sua voz. F escutou mas permaneceu quase calado, sussurrando apressado algumas palavras, como se fugisse. Tinha pressa, disse.
Anos mais tarde a mulher compreendeu que não era nada de pessoal. F tinha um mundo próprio de que lhe era difícil sair.

Numa manhã de Verão encontraram-se debaixo de um calor intenso. F trazia uma t shirt verde e calças de ganga e sofria com o ar sufocante. A mulher manteve-se à distância, espiando de longe, em segredo, roubando-lhe a alma através da máquina fotográfica e escrevendo, escrevendo palavras sem sentido, sem ordem, sem nexo, com o prazer da descoberta de si, de o ter ali tão perto e tão longe, de se sentir viva uma vez mais.

Em pleno Verão ela partiu e ele ficou para trás, despido, imerso no calor alentejano, enquanto ela levava consigo algumas fotos e um sonho de menina.

20 de Agosto de 2007

20 agosto 2007

O Presente

Foi devolvido ao mar para que pudesse guardar o segredo e contar a história.

Happy moment! It happens!

Encontro com a terra


E de repente estava tudo ali, as cores da infância, a alegria de brincar, de sonhar, tudo perdido tantos anos nessa ilha distante...
Encontrá-las foi renascer.

A ilusão da felicidade e o vazio de voltar

Depois da viagem ainda não há palavras. Só o vazio de voltar e o sentido de perda.
Falta-me a humidade marítima, o cheiro doce e intenso das flores, o mar rebelde, a pasmaceira dos dias....
Falta-me tudo o que me tiraste numa noite de inconsciência....

Vista íntima sobre o mar

Esquecido, magro e envelhecido numa terra vermelha no meio do mar

Momento íntimo com sabor a felicidade